Por Bruno Jardim
Após ler nas sagradas escrituras,
as verdades há muito tempo escondidas, um monge agostiniano chamado Martinho
Lutero se viu na obrigação de ser um grande apologeta defensor da verdade a
qualquer custo. Buscou primeiro reformar a igreja católica, mas começou a
incomodar o status quo, e acabou
sendo excomungado. Em 31 de outubro de 1517 fixou 95 teses na porta da Igreja do
Castelo de Wittenberg, iniciará ali a Reforma Protestante.
Nessas 95 teses, Lutero combatia
veementemente os costumes e crenças, adotados pelo poder religioso
constituinte, que iam de forma contrária as sagradas escrituras e tinha como
locomotiva as indulgências - remissão, diante de Deus, da pena temporal devida
pelos pecados já perdoados quanto à culpa.
Se o início da reforma foi feito
por Lutero, sua afirmação e fundamentação foram feitas por João Calvino. Este
foi usado por Deus para redescobrir as doutrinas bíblicas e publicá-las de
forma que pudessem ser entendidas por todos.
Doutrinas como a Justificação
pela Fé, Soberania de Deus, Predestinação e Eleição foram resgatadas do ostracismo
imposto pelos romanos. Os pagamentos indulgentes, sacrifícios meritórios,
foram postos de lado e a Fé na Graça de Deus restaurada.
Manter a Bíblia restrita e
trancafiada a sete chaves fazia parte do interesse dos poderosos. Pois um povo
privado de conhecimento é facilmente manipulado. Libertar a Bíblia do copyright eclesiástico e coloca-la
acessível ao povo gerou um grande incentivo a educação e uma rebelião ao status quo.
Se o livre acesso ao conhecimento
tem o potencial de gerar revolução eu diria que a privação é uma das
ferramentas mais eficazes para o controle da mente e situação.
Isso me faz lembrar de um
episódio registrado em II Reis onde lemos o relato do cerco sofrido por
Samaria:
“Depois disto Ben-Hadade, rei da Síria, ajuntou todo o seu exército, subiu e cercou a Samaria. Houve grande fome em Samaria,
porque a cercaram até que se vendeu a cabeça de um jumento por oitenta siclos
de prata, e a quarta parte de um cabo de cebola selvagem por cinco siclos de
prata.” II Reis 6:24-25
Samaria havia sido cercada por Ben-Hadade
II, o rei de Aram (moderna Síria), para tal, o rei utilizou-se de uma
estratégia bem comum e eficaz da época, a saber, o cerco. Os portões de acesso
à Samaria foram completamente sitiados, impedindo assim o livre trânsito e o
intercâmbio comercial com a cidade.
Ninguém saia e ninguém entrava, os
recursos da cidade estavam escassos. Logo, era uma questão de tempo
para que Samaria ficasse totalmente enfraquecida e assim seria facilmente
tomada.
Os efeitos que a privação de bens
de primeira necessidade pode provocar são surpreendentes, e o primeiro deles é a inversão dos valores das coisas: o
que antes não tinha qualquer valor, como por exemplo a cabeça de um jumento, agora
era vendido à peso de ouro.
Isso acontece quando perdemos o
controle das faculdades mentais e infelizmente em nossos dias atuais, esta
estratégia de cerco e privação se mantém vigente e tem como objetivo nos privar
daquilo que serve de alimento à nossa consciência.
“O meu povo está sendo destruído, porque lhe falta o conhecimento.” Oséias 4:6
A mesma estratégia utilizada
contra Samaria, foi a mesma utilizada pelo poder religioso na época da Reforma
e também pelos poderes vigentes nos dias atuais: Privação do
Conhecimento.
O sociólogo francês Pierre
Bourdieu, denúncia que o conhecimento escolar, por exemplo, não é transmitido
de forma democrática e isonômica para todos os alunos. Segundo ele, alunos
provenientes das classes sociais mais favorecidas possuem uma base de
conhecimento a qual ele chama de Capital Cultural.
Trata- se de uma metáfora criada
por Bourdieu para tentar explicar como a cultura, em uma sociedade dívida em
classes, se transforma em uma espécie de moeda que as classes dominantes utilizam
para acentuar as diferenças. Com isso o conhecimento cultural se transforma em
um instrumento de dominação. Assim, as classes dominantes impõe as classes
dominadas sua própria cultura, dando –lhe um valor incontestável.
Surge então o chamado arbitrário cultural dominante que nada
mais é do que uma cultura se impor sobre outra. Os desfavorecidos são
justamente aqueles que não tiveram contato através da família com o capital cultural,
seja pela falta de livros ou por não terem tido acesso a lugares e informações
facilmente acessíveis para classe dominante.
A privação contribui para o
processo de lavagem cerebral. Vivemos em um cerco cultural, onde as fontes de
conhecimentos são mantidas restritas, servindo assim para retroalimentar o
sistema.
O Pão da Vida tem se mantido
inacessível, por aqueles que não querem largar o poder, a verdade vem sendo
negligenciada mantendo o povo fraco a fim de ser facilmente manipulado.
Os cercos precisam cair e as
portas antes cerradas, escancaradas. Não é à toa que Cristo é Porta das
Ovelhas, para que Nele possamos transitar e nos alimentar. Pessoas bem
alimentadas se tornam divergentes capazes de insurgirem contra os poderes
vigentes (vide Lutero ao se deparar com a Bíblia).
Vimos que o primeiro efeito da
privação é a inversão do valor, onde atribui- se um valor incontestável as
coisas. Já o segundo efeito é nos tornar seres
efêmeros, pois a privação do conhecimento mata a esperança e sem esperança
não existe futuro.
Voltando para o cerco de Samaria:
“Passando o rei de Israel pelo
muro, uma mulher lhe bradou: Acode-me, ó rei meu senhor. Respondeu o rei: Se o
Senhor não te acode, donde te acudirei eu? Da eira ou do lagar? Disse-lhe mais
o rei: Que tens? Respondeu ela: Esta mulher me disse: Dá cá o teu filho, para
que hoje o comamos, e amanhã comeremos o meu filho. Então cozemos o meu filho,
e o comemos. Mas dizendo-lhe eu no dia seguinte: Dá cá o teu filho para que o
comamos, ela o escondeu. Ouvindo o rei as palavras desta mulher, rasgou as suas
vestes...” vv.26-30a
Como uma mãe seria capaz de
devorar seu próprio filho? Veja o quão desesperadora era a situação
daquela cidade cercada. O desespero mexe com a escala de valores. Pode imaginar
a cena; uma mãe devorando sua própria cria?!
O filho representa a esperança de
um futuro. Porém, quantas vezes nos encontramos desejosos de sacrificar o
futuro no altar da necessidade momentânea. O desespero nos tira a razão e nos
faz agir por impulso, sem se preocupar com o amanhã e sem qualquer tipo de
sustentabilidade.
Repare na consciência sustentável
de Ezequiel ao denunciar o comportamento das ovelhas gordas:
“Acaso não vos basta pastar os bons pastos, senão que pisais o resto de
vossos pastos aos vossos pés? E não vos basta beber as águas claras, senão que
sujais o resto com os vossos pés? E quanto às minhas ovelhas elas pastarão o
que haveis pisado com os vossos pés, e beberão o que haveis sujado com os
vossos pés. Por isso o Senhor DEUS assim lhes diz: Eis que eu, eu mesmo,
julgarei entre a ovelha gorda e a ovelha magra.” Ezequiel 34:17-20
A ovelha gorda nunca se contenta,
não basta comer e beber, tem que destruir o pasto e poluir as águas. Elas tem
acesso ao alimento, mas faz questão que ninguém mais o tenha. Faz questão de
ser um instrumento de opressão.
Uma mente sustentável faz com que
vivamos o hoje, mas sem sacrificar o amanhã. Mas, pelo visto, a humanidade tem
buscado viver de forma insustentável só pensamos no aqui e o agora. Consumimos
os recursos deste terra sem se preocupar com as próximas gerações.
Daí eu pergunto: podemos colocar na
conta de Deus a culpa por todo mal que assola o mundo? Claro que não! A culpa é
do homem, que como a ovelha gorda oprime, segmenta, segrega, retém e pratica violência.
“O justo viverá pela Fé...” Hebreus 10:38.
Foi esta Palavra que abriu os
olhos de Lutero e desencadeou todo o processo da Reforma. Viver por fé é uma
questão de sustentabilidade. Não temos que andar por vista, mas por Fé, é ela que
nos conecta ao futuro. Uma fez justificados por Cristo somos chamados para sermos
instrumentos de Sua justiça no mundo, dando a cada um o que lhe é de direito e manifestando
o amor de Deus perante os homens.
Mediante o Sangue Dele, um novo e
vivo caminho foi aberto, os cercos caíram. Temos acesso à Sua mente que é o
oráculo do universo! Faça bom uso, neste sentido, use e abuse. Quanto mais
conhecemos mais nos damos conta que nada conhecemos e assim prosseguimos em
conhecer...
O fluxo está aberto, temos livre
acesso, sem indulgências, sem barganha, tão somente pela Graça, este favor
imerecido e irresistível que nos constrange a amar da mesma forma que fomos
amados.
Que nossas vidas sejam um meio
onde o mundo venha ter acesso a todo tipo de conhecimento contido em Deus.
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