sábado, outubro 31

Reforma Sustentável, Justa e Operante


Por Bruno Jardim

Após ler nas sagradas escrituras, as verdades há muito tempo escondidas, um monge agostiniano chamado Martinho Lutero se viu na obrigação de ser um grande apologeta defensor da verdade a qualquer custo. Buscou primeiro reformar a igreja católica, mas começou a incomodar o status quo, e acabou sendo excomungado. Em 31 de outubro de 1517 fixou 95 teses na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg, iniciará ali a Reforma Protestante.

Nessas 95 teses, Lutero combatia veementemente os costumes e crenças, adotados pelo poder religioso constituinte, que iam de forma contrária as sagradas escrituras e tinha como locomotiva as indulgências - remissão, diante de Deus, da pena temporal devida pelos pecados já perdoados quanto à culpa.

Se o início da reforma foi feito por Lutero, sua afirmação e fundamentação foram feitas por João Calvino. Este foi usado por Deus para redescobrir as doutrinas bíblicas e publicá-las de forma que pudessem ser entendidas por todos.

Doutrinas como a Justificação pela Fé, Soberania de Deus, Predestinação e Eleição foram resgatadas do ostracismo imposto pelos romanos. Os pagamentos indulgentes, sacrifícios meritórios, foram postos de lado e a Fé na Graça de Deus restaurada.

Manter a Bíblia restrita e trancafiada a sete chaves fazia parte do interesse dos poderosos. Pois um povo privado de conhecimento é facilmente manipulado. Libertar a Bíblia do copyright eclesiástico e coloca-la acessível ao povo gerou um grande incentivo a educação e uma rebelião ao status quo.

Se o livre acesso ao conhecimento tem o potencial de gerar revolução eu diria que a privação é uma das ferramentas mais eficazes para o controle da mente e situação.

Isso me faz lembrar de um episódio registrado em II Reis onde lemos o relato do cerco sofrido por Samaria:

“Depois disto Ben-Hadade, rei da Síria, ajuntou todo o seu exército, subiu e cercou a Samaria. Houve grande fome em Samaria, porque a cercaram até que se vendeu a cabeça de um jumento por oitenta siclos de prata, e a quarta parte de um cabo de cebola selvagem por cinco siclos de prata.” II Reis 6:24-25

Samaria havia sido cercada por Ben-Hadade II, o rei de Aram (moderna Síria), para tal, o rei utilizou-se de uma estratégia bem comum e eficaz da época, a saber, o cerco. Os portões de acesso à Samaria foram completamente sitiados, impedindo assim o livre trânsito e o intercâmbio comercial com a cidade.  

Ninguém saia e ninguém entrava, os recursos da cidade estavam escassos. Logo, era uma questão de tempo para que Samaria ficasse totalmente enfraquecida e assim seria facilmente tomada.

Os efeitos que a privação de bens de primeira necessidade pode provocar são surpreendentes, e o primeiro deles é a inversão dos valores das coisas: o que antes não tinha qualquer valor, como por exemplo a cabeça de um jumento, agora era vendido à peso de ouro.

Isso acontece quando perdemos o controle das faculdades mentais e infelizmente em nossos dias atuais, esta estratégia de cerco e privação se mantém vigente e tem como objetivo nos privar daquilo que serve de alimento à nossa consciência.

O meu povo está sendo destruído, porque lhe falta o conhecimento.” Oséias 4:6

A mesma estratégia utilizada contra Samaria, foi a mesma utilizada pelo poder religioso na época da Reforma e também pelos poderes vigentes nos dias atuais: Privação do Conhecimento.

O sociólogo francês Pierre Bourdieu, denúncia que o conhecimento escolar, por exemplo, não é transmitido de forma democrática e isonômica para todos os alunos. Segundo ele, alunos provenientes das classes sociais mais favorecidas possuem uma base de conhecimento a qual ele chama de Capital Cultural.  

Trata- se de uma metáfora criada por Bourdieu para tentar explicar como a cultura, em uma sociedade dívida em classes, se transforma em uma espécie de moeda que as classes dominantes utilizam para acentuar as diferenças. Com isso o conhecimento cultural se transforma em um instrumento de dominação. Assim, as classes dominantes impõe as classes dominadas sua própria cultura, dando –lhe um valor incontestável.

Surge então o chamado arbitrário cultural dominante que nada mais é do que uma cultura se impor sobre outra. Os desfavorecidos são justamente aqueles que não tiveram contato através da família com o capital cultural, seja pela falta de livros ou por não terem tido acesso a lugares e informações facilmente acessíveis para classe dominante.

A privação contribui para o processo de lavagem cerebral. Vivemos em um cerco cultural, onde as fontes de conhecimentos são mantidas restritas, servindo assim para retroalimentar o sistema.

O Pão da Vida tem se mantido inacessível, por aqueles que não querem largar o poder, a verdade vem sendo negligenciada mantendo o povo fraco a fim de ser facilmente manipulado.

Os cercos precisam cair e as portas antes cerradas, escancaradas. Não é à toa que Cristo é Porta das Ovelhas, para que Nele possamos transitar e nos alimentar. Pessoas bem alimentadas se tornam divergentes capazes de insurgirem contra os poderes vigentes (vide Lutero ao se deparar com a Bíblia).

Vimos que o primeiro efeito da privação é a inversão do valor, onde atribui- se um valor incontestável as coisas. Já o segundo efeito é nos tornar seres efêmeros, pois a privação do conhecimento mata a esperança e sem esperança não existe futuro.

Voltando para o cerco de Samaria:

“Passando o rei de Israel pelo muro, uma mulher lhe bradou: Acode-me, ó rei meu senhor. Respondeu o rei: Se o Senhor não te acode, donde te acudirei eu? Da eira ou do lagar? Disse-lhe mais o rei: Que tens? Respondeu ela: Esta mulher me disse: Dá cá o teu filho, para que hoje o comamos, e amanhã comeremos o meu filho. Então cozemos o meu filho, e o comemos. Mas dizendo-lhe eu no dia seguinte: Dá cá o teu filho para que o comamos, ela o escondeu. Ouvindo o rei as palavras desta mulher, rasgou as suas vestes...” vv.26-30a

Como uma mãe seria capaz de devorar seu próprio filho? Veja o quão desesperadora era a situação daquela cidade cercada. O desespero mexe com a escala de valores. Pode imaginar a cena; uma mãe devorando sua própria cria?!

O filho representa a esperança de um futuro. Porém, quantas vezes nos encontramos desejosos de sacrificar o futuro no altar da necessidade momentânea. O desespero nos tira a razão e nos faz agir por impulso, sem se preocupar com o amanhã e sem qualquer tipo de sustentabilidade.

Repare na consciência sustentável de Ezequiel ao denunciar o comportamento das ovelhas gordas:

“Acaso não vos basta pastar os bons pastos, senão que pisais o resto de vossos pastos aos vossos pés? E não vos basta beber as águas claras, senão que sujais o resto com os vossos pés? E quanto às minhas ovelhas elas pastarão o que haveis pisado com os vossos pés, e beberão o que haveis sujado com os vossos pés. Por isso o Senhor DEUS assim lhes diz: Eis que eu, eu mesmo, julgarei entre a ovelha gorda e a ovelha magra.” Ezequiel 34:17-20

A ovelha gorda nunca se contenta, não basta comer e beber, tem que destruir o pasto e poluir as águas. Elas tem acesso ao alimento, mas faz questão que ninguém mais o tenha. Faz questão de ser um instrumento de opressão.

Uma mente sustentável faz com que vivamos o hoje, mas sem sacrificar o amanhã. Mas, pelo visto, a humanidade tem buscado viver de forma insustentável só pensamos no aqui e o agora. Consumimos os recursos deste terra sem se preocupar com as próximas gerações.

Daí eu pergunto: podemos colocar na conta de Deus a culpa por todo mal que assola o mundo? Claro que não! A culpa é do homem, que como a ovelha gorda oprime, segmenta, segrega, retém e pratica violência. 

“O justo viverá pela Fé...” Hebreus 10:38.

Foi esta Palavra que abriu os olhos de Lutero e desencadeou todo o processo da Reforma. Viver por fé é uma questão de sustentabilidade. Não temos que andar por vista, mas por Fé, é ela que nos conecta ao futuro. Uma fez justificados por Cristo somos chamados para sermos instrumentos de Sua justiça no mundo, dando a cada um o que lhe é de direito e manifestando o amor de Deus perante os homens.

Mediante o Sangue Dele, um novo e vivo caminho foi aberto, os cercos caíram. Temos acesso à Sua mente que é o oráculo do universo! Faça bom uso, neste sentido, use e abuse. Quanto mais conhecemos mais nos damos conta que nada conhecemos e assim prosseguimos em conhecer...

O fluxo está aberto, temos livre acesso, sem indulgências, sem barganha, tão somente pela Graça, este favor imerecido e irresistível que nos constrange a amar da mesma forma que fomos amados.

Que nossas vidas sejam um meio onde o mundo venha ter acesso a todo tipo de conhecimento contido em Deus.



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