Por Bruno Jardim
Quando chega esta época natalina,
eu sinto toda magia que o clima de Natal nos proporciona. Claramente sou
remetido a minha infância, onde era tomado de toda uma ansiedade durante os
dias que antecedem a chegada do dia 25 de dezembro.
Dentre as várias lembranças e
iguarias natalinas, a que mais eu curtia quando criança era a noz. Ficava
encantando com a mesa repleta de nozes e não obstante sempre associei Natal com
nozes.
Hoje, já adulto parece que as nozes
continuam me perseguindo e isso explica o título desta reflexão:
É Natal, que Nozes! Pois, “Que Nozes” me remete a “Kenosis”.
Kenosis é uma palavra do grego que carrega o real significado do
Natal. Trata- se do ato de se esvaziar de si mesmo, sem perder a própria
identidade, para se fazer abertura ao outro e se encontrar no outro. Esta
palavra é encontrada no Novo Testamento como esvaziamento de Jesus.
“De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo
Jesus, que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, Mas
esvaziou-se a si mesmo, tomando a
forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; E, achado na forma de homem,
humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz.”
Filipenses 2: 5 ao 8
No original, a palavra utilizada
e que foi traduzida para “esvaziou-se a
si mesmo” é Kenosis.
Cristo para vir ao nosso encontro
precisou descer de Sua posição. Leonardo Boff, teólogo católico tem uma frase
que evidencia bem esta essência, ele diz: “Todo
menino quer ser homem, todo homem quer ser rei, todo rei quer ser Deus, somente
Deus quis ser menino."
O Cristo Rei e Soberano não
usurpou em ser como Deus, abriu mão desta condição e se esvaziou, tomando a
forma de homem.
Mas por qual motivo isto se fez
necessário? Se fez necessário pelo fato do homem não ter outra referência a não
ser o seu próprio ego. Assim perdemos o propósito da nossa existência, que é
viver para Deus e para o Próximo e passamos a viver para nós mesmos.
O esvaziamento de Cristo, a
Kenosis divina, foi motivada pelo amor, já o enchimento do homem foi motivada
pelo amor próprio. É o amor próprio que nos leva a errarmos o alvo, ou seja, a
pecarmos. Todo pecado, seja ele de cunho moral ou ético, estão atrelados na
raiz do amor próprio. Este era o cenário da humanidade: “...todos nós também outrora andávamos nas cobiças da nossa carne,
fazendo as vontades da carne e dos pensamentos...” Efésios 2:3
Cada vez que o homem cede espaço
para o desejo da carne e as vontades dos pensamentos, ele se esvazia de Deus e
se enche de si mesmo, sem se importar com o outro e tão pouco com Deus.
Ao olhar a humanidade de Seu
trono, Cristo encontra o cenário acima citado: uma humanidade ensimesmada.
Portanto o caminho que Deus se utiliza para intervir na humanidade presa em si
e egocêntrica, é esvaziando de si mesmo. Agindo assim de forma subversiva,
contrariando a lógica do homem, Ele vem no caminho antagônico da soberba e do
amor próprio, a saber a humildade e o amor voltado para o próximo por meio de
seu esvaziamento proveniente da Kenosis.
No momento em que o Espírito
Santo engravidou Maria, estava se materializando a kenosis divina, o primeiro
estágio do propósito da redenção começará: a
encarnação do Deus Poderoso. O cheio de glória se esvaziando por amor de
nós, abrindo mão de tudo aquilo que É, para se fazer semelhante aos homens.
A redenção consiste na ação de
Deus em nos comprar de volta, pois ao devotar o amor que havia recebido de Deus
para si mesmo, o homem se vende ao pecado. Portanto, além de criador, Ele também é o
nosso Redentor.
Vamos falar agora dos efeitos que
a Kenosis, este esvaziamento do eu gera em nós:
1) Humildade
“... sendo em forma de Deus, não teve por
usurpação ser igual a Deus...”
O primeiro efeito é a humildade.
Veja que interessante, a soberba que pode ser tratada como
sendo a antítese da humildade, nos leva a ser aquilo que não somos, ela
alimenta nosso pecado. Já a humildade nos leva a abrir mão do que somos por
amor ao outro.
Cristo é Deus, mas não teve por usurpação ser igual a Deus.
Quando começamos a nos esvaziar de nós mesmos, a humildade
passa a nos mover e nos levar a compreender que aquilo que somos em Cristo,
nada mais é para que sejamos canais de serviço ao próximo.
Abrimos mão do que somos, mas sem perder a nossa identidade.
Assim como Cristo fez, que ao tomar a forma de homem, continuou sendo Deus e
tudo isso motivado pelo amor.
A humildade gera em nós um senso de dependência mútua, nos
levando a sujeição. “Sujeita- vos uns aos outros...” é a ordem dada em Efésios 5:22.
A vida é para serviço um do outro. Quando se fala de
sujeição está se falando de “se colocar aos cuidados”. Em outras palavras o
texto diz: “se coloquem aos cuidados uns
aos outros” não se atentando para o que é seu, mas para o que é do outro. A
humildade abre o caminho para a dinâmica dos relacionamentos, por isso “cada um considere os outros superiores
a si mesmo.” Filipenses 2:3.
Na lei da gravidade corpos maiores atraem corpos menores e
os mantém presos uns aos outros. Da mesma forma, quando considero o outro como
sendo superior a mim mesmo, ele ganha status de corpo maior, logo exerce sobre
mim uma espécie de “força gravitacional do amor”, onde somos atraídos e movidos
para servir uns aos outros.
2) Quebrantamento
“A palavra do SENHOR, que veio a Jeremias, dizendo: Levanta-te, e desce
à casa do oleiro, e lá te farei ouvir as minhas palavras. E desci à casa do
oleiro, e eis que ele estava fazendo a sua obra sobre as rodas; Como o vaso,
que ele fazia de barro, quebrou-se na mão do oleiro, tornou a fazer dele outro
vaso, conforme o que pareceu bem aos olhos do oleiro fazer.” Jeremias 18: 1
ao 4
Quando a voz de Deus veio a Jeremias
ordenando para que ele descesse até a casa do oleiro, pois ali o Senhor
falaria, ele encontra o oleiro moldando seus vasos em uma roda. Jeremias notou
também que de vez em quando os vasos escapavam da roda, mas rapidamente o
oleiro os traziam de volta e continuava o trabalho, pois não dava tempo da massa endurecer, ela continuava maleável, facilitando
assim o processo de produção dos vasos.
A roda do oleiro é o local onde
os propósitos de Deus se materializam, onde Sua vontade, que sempre está em
movimento é executada. Portanto, quando um vaso sai desta zona de atuação, ele
acaba secando e ficando endurecido. Eis o processo de um coração de pedra,
coração de pedra são vasos que saíram da roda do oleiro.
Por isso nos tornamos insensíveis,
ensimesmados e egoístas. Por achar que podemos viver fora da vontade de Deus,
nos tornamos em pessoas petrificadas, impossíveis de serem transformadas, pois
para tal se faz necessário ser maleável e isso só é possível dentro da roda, é
a roda que nos mantém “moles” e sensíveis ao agir de Deus.
Vaso enrijecido para se tornar o
vaso novo que Deus quer que seja tem que ser quebrado. Não adianta colocar um
vaso pronto de volta na roda para tentar molda- lo. O estágio da petrificação é
tão grande que o vaso fica insensível ao agir de Deus. Não resta outra saída a não
ser quebrar e fazer um vaso novo.
“O Senhor está perto dos que têm o coração quebrantado e salva os de
espírito abatido.” Salmos 34:18
O coração quebrantando é aquele
que se apresenta sem resistência para Deus, entendendo que para sermos o que de
fato Deus deseja precisamos nos aquebrantar. Olhar para dentro de si e não
encontrar nenhum motivo para se alegrar. Trata- se de um processo doloroso: “senti as vossas misérias, e lamentai e
chorai; converta-se o vosso riso em pranto, e o vosso gozo em tristeza.” Tiago
4:9
A humildade proveniente da
Kenosis nos leva ao quebrantamento. Quando o homem se deixa aquebrantar pela
ação do espírito Santo, ele tem acesso ao tesouro depositado por Deus, tesouro
este que representa a nossa vocação, aquilo que fomos chamados para ser em
Deus. “Temos, porém, esse tesouro em
vasos de barro, para demonstrar que este poder que a tudo excede provém de Deus
e não de nós mesmos.” 2 Coríntios 4:7
Por qual motivo algo tão
precioso, quanto um tesouro, é colocado em um recipiente tão frágil como um
vaso de barro? É para que não fique pedra sobre pedra! O encontro com Deus gera
o quebrantamento de nosso ser e só assim o tesouro que temos vem à tona.
3) Morte do Ego
“... E, achado na
forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de
cruz.”
Só tem condição de humilhar a si mesmo quem tem o seu ego
morto. Não existe negociação, se de fato desejamos andar no caminho da justiça e
da vida se faz necessário morrer para si.
O apóstolo Paulo teve alguns dilemas com o seu ego, tanto é
que assim que ele é encontrado por Cristo no famoso caminho de Damasco, ele tem
seus olhos cegados. Ali já era o cartão de visita dado a ele por Deus. Antes de
começar a caminhar com o Senhor ele precisava parar de olhar para si e passar a
firmar o olhar em Deus.
Já em pleno desenvolvimento de seu ministério ele se depara
com um espinho na carne, “a saber, um
mensageiro de Satanás para me esbofetear, a fim de não me exaltar.” 2 Coríntios 12:7.
Paulo tinha uma vida pregressa nada agradável aos cristãos,
ele era perseguidor da igreja e vire e mexe pessoas chegavam até ele para “jogar
na cara” todo este passado condenável.
Este era o espinho na carne de Paulo, “acerca do qual três vezes orei ao Senhor para que se desviasse de mim.”
Diz o apóstolo em 2 Coríntios
12:8. Para surpresa de Paulo
a resposta de Deus foi: “A minha graça te
basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza.” 2 Coríntios 12:9.
Diante disso começamos a compreender que os espinhos que
temos na carne cooperam com o processo da Kenosis em nós. Lembre-se- se que
Kenosis é esvaziamento de si mesmo e o homem é encontrado por Deus cheio do ego,
como um balão inflamável.
Daí vem Deus e nos presenteia com uns espinhos na carne
afim de nos esvaziar, nos tornamos em “bola murcha”, cooperando assim com o
processo de quebrantamento e morte do nosso ego.
O espinho na carne de Paulo era para que ele não se “exaltasse
pela excelência das revelações” 2 Coríntios 12:7, e ele
finaliza: “de boa vontade, pois, me
gloriarei nas minhas fraquezas, para que em mim habite o poder de Cristo.
2 Coríntios
12:9
Humilhe- se a si mesmo e se tiver que se gloriar gloriasse
nas próprias fraquezas. Nosso ego é o maior inimigo que temos, então faça bom
uso dos espinhos da carne e deixe que eles te esvaziem a fim de ficar livre e
leve para ser guiado pelo Espírito de Deus, “pois todos os que são guiados pelo
Espírito de Deus, esses são filhos de Deus. “Romanos 8:14
4) Desprendimento
A morte do nosso ego gera em nós um desprendimento. Antes, estávamos
completamente amarrados, enamorados com o nosso ego. Chegamos a Deus cansados e
oprimidos por conta do nosso ego. Nos tornamos em uma “mala sem alça”, mas ainda bem que ELE nos alivia de nós mesmos e
nos preenche com Seu Espirito.
“Vinde a mim, todos
os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu
jugo, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração; e
encontrareis descanso para as vossas almas.” Mateus 11: 28 e 29
Deus deseja nos tirar de nós mesmos e nos atrelar em Cristo,
para tal se faz necessário aprender com ELE que é Manso e Humilde.
Biblicamente falando mansidão tem a ver com desprendimento, é não ficar preso a nada. Já humildade, como falamos, é abrir mão do que é a fim de servir em amor. Em outras palavras, mansidão e humildade são as duas dinâmicas de atuação da kenosis em nós.
Biblicamente falando mansidão tem a ver com desprendimento, é não ficar preso a nada. Já humildade, como falamos, é abrir mão do que é a fim de servir em amor. Em outras palavras, mansidão e humildade são as duas dinâmicas de atuação da kenosis em nós.
A mansidão gera desapego e faz com que tenhamos facilidade
em doar, já a humildade gera dependência nos dando condição de receber. É uma
condição sine qua non estarmos
desapegados a tudo a fim de sermos vulneráveis aos ventos do Espírito Santo.
Existem dois tipos de ventos: o vento do Espírito e o vendo
das adversidades. Os efeitos que tais ventos irão provocar em nós depende da
condição em que se encontra o nosso ser. Não existe meio termo, ou nosso ser se
encontra cheio de Deus ou cheio de nós mesmos.
O homem cheio de si, fica vulnerável aos ventos das
adversidades, semelhante àquele que constrói sua casa na areia, ao passo que fica
insensível aos ventos do Espírito. As oportunidades batem à porta, mas não
aproveitamos pois estamos apegados ao que temos.
Já o homem que se esvazia de si e se enche de Deus, quando
os ventos das adversidades sopram ele permanece como “o monte de Sião que não se abala e permanecem para sempre.” Salmos
125:2, ao passo que fica vulnerável ao sopro do vento do Espírito de Deus nos
levando para onde Ele quiser, até porque “saco vazio não para em pé”.
O segredo é ficar vazio de si e cheio de Deus, afim de que
os efeitos dos ventos em nós sejam sempre os melhores que cada um tem.
Que as adversidades nos lapidem, nos dando experiência e nos preparando para onde o vento do Espírito deseja nos levar.
Que as adversidades nos lapidem, nos dando experiência e nos preparando para onde o vento do Espírito deseja nos levar.
5) Aproximação
“... Mas esvaziou-se
a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se
semelhante aos homens...”
Nos encontrávamos ilhados,
presos em nossos “mundinhos”, mas agora a Kenosis nos dá um senso de
pertencimento. Nossa visão deixa de ser míope e passa a estar conectada com o
todo a nossa volta.
O Amor de Deus, que O levou ao esvaziamento, tornou
possível a ligação entre dois pontos distantes e diferentes. Foi aberto um novo
e vivo caminho! Nos salvou de nós mesmos, nos libertou dos tentáculos do nosso
eu e nos lançou na direção de Deus e do próximo.
Não é à toa que a Cruz é composta de duas hastes; uma na
vertical e outra na horizontal.
A haste vertical representa a ligação entre o homem e Deus.
O que antes era completamente inalcançável a Cruz viabiliza o acesso. Já a
haste horizontal diz respeito aos campos dos relacionamentos. Lá estava cada um
vivendo em “seu quadrado”, mas vem a Cruz e derruba estes muros que nos
separavam e nos aproxima novamente.
Cada ação tomada agora por nós, leva em consideração o
outro. Eu diria que “a próxima ação” tem que ser para gerar “aproximação”. Nossas
atitudes e ações devem nos levar para mais perto do próximo.
Por isso que Cristo nos ordena a amar ao nosso próximo
e semelhante. Ele não fala nada
em amar o distante e o diferente, pois simplesmente estes não existem mais. Ele
Aproxima o Distante e torna o Diferente em Semelhante.
O véu do preconceito e da indiferença foi totalmente
rasgado! Se existe aproximação, não pode existir preconceito.
Já parou para pensar que o preconceito é uma vaidade, pois
ele sempre está atrelado ao que o outro pensa.
Vaidade é o que " vai com a idade", aquilo que é
passageiro. Não vale a pena se prender a ela. Nossa forma de pensar é uma
vaidade, pois ela está em constante processo de transformação.
Se o pensamento é vaidade o sentimento não é.
Podemos pensar diferente uns dos outros (e isso é bom!),
mas sentimos o mesmo que o outro sente, ainda que este pense diferente de nós.
Portanto, quando deixarmos de focar no que o outro pensa e passarmos a focar no
que ele sente, os preconceitos acabam, pois estes estão atrelados à vaidade do
pensamento.
Temos que ter “o
mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus”, que O levou a se
esvaziar, tomando a forma de servo e fazendo-se semelhante aos homens.
É o sentimento do amor que nos leva ao senso de
pertencimento. Só assim a humanidade será curada de todo preconceito.
Somos todos humanos: plurais no pensamento, mas singulares
no sentimento.
6) Propósito
“...
sendo obediente até à morte, e morte de cruz.”
Todos os efeitos da Kenosis em nós tem como objetivo devolver
o homem ao propósito. A Cruz sempre foi o propósito de Cristo, tanto é que o
inimigo fez de tudo para livrar Jesus dela. Cristo tinha uma agenda e tudo o
que Ele fez enquanto homem foi mirando a Cruz.
Ele foi obediente ao propósito do Pai, nada tirou seu foco,
pois não era amante de si mesmo, maior do que sua vida era o propósito para o
qual Ele havia sido chamado.
Muito mais do que simplesmente sobreviver, Deus deseja que
cada um de nós exista! Sobreviver é ser movido pelas necessidades, existir é
ser movido pelo propósito.
“Nele vivemos, e nos
movemos, e existimos...” Atos 17:38
Vivemos pois
só existe vida por meio da morte do nosso ego.
Nos movemos,
pois estamos desapegados a tudo, conduzidos pela liberdade do Seu Espírito.
Existimos, pois agora
“... não mais vivo eu, mas Cristo vive em
mim e a vida que agora vivo na carne, vivo-a pela fé do Filho de Deus, o qual
me amou, e se entregou a si mesmo por
mim.” Gálatas 2:20
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