quinta-feira, dezembro 24

É Natal.... Que Nozes!


Por Bruno Jardim

Quando chega esta época natalina, eu sinto toda magia que o clima de Natal nos proporciona. Claramente sou remetido a minha infância, onde era tomado de toda uma ansiedade durante os dias que antecedem a chegada do dia 25 de dezembro.

Dentre as várias lembranças e iguarias natalinas, a que mais eu curtia quando criança era a noz. Ficava encantando com a mesa repleta de nozes e não obstante sempre associei Natal com nozes.

Hoje, já adulto parece que as nozes continuam me perseguindo e isso explica o título desta reflexão: 

É Natal, que Nozes! Pois, “Que Nozes” me remete a “Kenosis”.

Kenosis é uma palavra do grego que carrega o real significado do Natal. Trata- se do ato de se esvaziar de si mesmo, sem perder a própria identidade, para se fazer abertura ao outro e se encontrar no outro. Esta palavra é encontrada no Novo Testamento como esvaziamento de Jesus.

“De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, Mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; E, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz.” Filipenses 2: 5 ao 8

No original, a palavra utilizada e que foi traduzida para “esvaziou-se a si mesmo” é Kenosis.

Cristo para vir ao nosso encontro precisou descer de Sua posição. Leonardo Boff, teólogo católico tem uma frase que evidencia bem esta essência, ele diz: “Todo menino quer ser homem, todo homem quer ser rei, todo rei quer ser Deus, somente Deus quis ser menino." 

O Cristo Rei e Soberano não usurpou em ser como Deus, abriu mão desta condição e se esvaziou, tomando a forma de homem.

Mas por qual motivo isto se fez necessário? Se fez necessário pelo fato do homem não ter outra referência a não ser o seu próprio ego. Assim perdemos o propósito da nossa existência, que é viver para Deus e para o Próximo e passamos a viver para nós mesmos.

O esvaziamento de Cristo, a Kenosis divina, foi motivada pelo amor, já o enchimento do homem foi motivada pelo amor próprio. É o amor próprio que nos leva a errarmos o alvo, ou seja, a pecarmos. Todo pecado, seja ele de cunho moral ou ético, estão atrelados na raiz do amor próprio. Este era o cenário da humanidade: “...todos nós também outrora andávamos nas cobiças da nossa carne, fazendo as vontades da carne e dos pensamentos...” Efésios 2:3

Cada vez que o homem cede espaço para o desejo da carne e as vontades dos pensamentos, ele se esvazia de Deus e se enche de si mesmo, sem se importar com o outro e tão pouco com Deus.

Ao olhar a humanidade de Seu trono, Cristo encontra o cenário acima citado: uma humanidade ensimesmada. Portanto o caminho que Deus se utiliza para intervir na humanidade presa em si e egocêntrica, é esvaziando de si mesmo. Agindo assim de forma subversiva, contrariando a lógica do homem, Ele vem no caminho antagônico da soberba e do amor próprio, a saber a humildade e o amor voltado para o próximo por meio de seu esvaziamento proveniente da Kenosis.

No momento em que o Espírito Santo engravidou Maria, estava se materializando a kenosis divina, o primeiro estágio do propósito da redenção começará: a encarnação do Deus Poderoso. O cheio de glória se esvaziando por amor de nós, abrindo mão de tudo aquilo que É, para se fazer semelhante aos homens.

A redenção consiste na ação de Deus em nos comprar de volta, pois ao devotar o amor que havia recebido de Deus para si mesmo, o homem se vende ao pecado.  Portanto, além de criador, Ele também é o nosso Redentor.

Vamos falar agora dos efeitos que a Kenosis, este esvaziamento do eu gera em nós:

1)      Humildade

“... sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus...”

O primeiro efeito é a humildade.

Veja que interessante, a soberba que pode ser tratada como sendo a antítese da humildade, nos leva a ser aquilo que não somos, ela alimenta nosso pecado. Já a humildade nos leva a abrir mão do que somos por amor ao outro.

Cristo é Deus, mas não teve por usurpação ser igual a Deus.

Quando começamos a nos esvaziar de nós mesmos, a humildade passa a nos mover e nos levar a compreender que aquilo que somos em Cristo, nada mais é para que sejamos canais de serviço ao próximo.

Abrimos mão do que somos, mas sem perder a nossa identidade. Assim como Cristo fez, que ao tomar a forma de homem, continuou sendo Deus e tudo isso motivado pelo amor.

A humildade gera em nós um senso de dependência mútua, nos levando a sujeição.  “Sujeita- vos uns aos outros...” é a ordem dada em Efésios 5:22.  

A vida é para serviço um do outro. Quando se fala de sujeição está se falando de “se colocar aos cuidados”. Em outras palavras o texto diz: “se coloquem aos cuidados uns aos outros” não se atentando para o que é seu, mas para o que é do outro. A humildade abre o caminho para a dinâmica dos relacionamentos, por isso “cada um considere os outros superiores a si mesmo.” Filipenses 2:3.

Na lei da gravidade corpos maiores atraem corpos menores e os mantém presos uns aos outros. Da mesma forma, quando considero o outro como sendo superior a mim mesmo, ele ganha status de corpo maior, logo exerce sobre mim uma espécie de “força gravitacional do amor”, onde somos atraídos e movidos para servir uns aos outros.

2)      Quebrantamento

“A palavra do SENHOR, que veio a Jeremias, dizendo: Levanta-te, e desce à casa do oleiro, e lá te farei ouvir as minhas palavras. E desci à casa do oleiro, e eis que ele estava fazendo a sua obra sobre as rodas; Como o vaso, que ele fazia de barro, quebrou-se na mão do oleiro, tornou a fazer dele outro vaso, conforme o que pareceu bem aos olhos do oleiro fazer.” Jeremias 18: 1 ao 4

Quando a voz de Deus veio a Jeremias ordenando para que ele descesse até a casa do oleiro, pois ali o Senhor falaria, ele encontra o oleiro moldando seus vasos em uma roda. Jeremias notou também que de vez em quando os vasos escapavam da roda, mas rapidamente o oleiro os traziam de volta e continuava o trabalho, pois não dava tempo da massa endurecer, ela continuava maleável, facilitando assim o processo de produção dos vasos.

A roda do oleiro é o local onde os propósitos de Deus se materializam, onde Sua vontade, que sempre está em movimento é executada. Portanto, quando um vaso sai desta zona de atuação, ele acaba secando e ficando endurecido. Eis o processo de um coração de pedra, coração de pedra são vasos que saíram da roda do oleiro.

Por isso nos tornamos insensíveis, ensimesmados e egoístas. Por achar que podemos viver fora da vontade de Deus, nos tornamos em pessoas petrificadas, impossíveis de serem transformadas, pois para tal se faz necessário ser maleável e isso só é possível dentro da roda, é a roda que nos mantém “moles” e sensíveis ao agir de Deus.

Vaso enrijecido para se tornar o vaso novo que Deus quer que seja tem que ser quebrado. Não adianta colocar um vaso pronto de volta na roda para tentar molda- lo. O estágio da petrificação é tão grande que o vaso fica insensível ao agir de Deus. Não resta outra saída a não ser quebrar e fazer um vaso novo.

“O Senhor está perto dos que têm o coração quebrantado e salva os de espírito abatido.” Salmos 34:18

O coração quebrantando é aquele que se apresenta sem resistência para Deus, entendendo que para sermos o que de fato Deus deseja precisamos nos aquebrantar. Olhar para dentro de si e não encontrar nenhum motivo para se alegrar. Trata- se de um processo doloroso: “senti as vossas misérias, e lamentai e chorai; converta-se o vosso riso em pranto, e o vosso gozo em tristeza.” Tiago 4:9

A humildade proveniente da Kenosis nos leva ao quebrantamento. Quando o homem se deixa aquebrantar pela ação do espírito Santo, ele tem acesso ao tesouro depositado por Deus, tesouro este que representa a nossa vocação, aquilo que fomos chamados para ser em Deus. “Temos, porém, esse tesouro em vasos de barro, para demonstrar que este poder que a tudo excede provém de Deus e não de nós mesmos.” 2 Coríntios 4:7

Por qual motivo algo tão precioso, quanto um tesouro, é colocado em um recipiente tão frágil como um vaso de barro? É para que não fique pedra sobre pedra! O encontro com Deus gera o quebrantamento de nosso ser e só assim o tesouro que temos vem à tona.

3)      Morte do Ego

“... E, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz.”

Só tem condição de humilhar a si mesmo quem tem o seu ego morto. Não existe negociação, se de fato desejamos andar no caminho da justiça e da vida se faz necessário morrer para si.

O apóstolo Paulo teve alguns dilemas com o seu ego, tanto é que assim que ele é encontrado por Cristo no famoso caminho de Damasco, ele tem seus olhos cegados. Ali já era o cartão de visita dado a ele por Deus. Antes de começar a caminhar com o Senhor ele precisava parar de olhar para si e passar a firmar o olhar em Deus.

Já em pleno desenvolvimento de seu ministério ele se depara com um espinho na carne, “a saber, um mensageiro de Satanás para me esbofetear, a fim de não me exaltar.” 2 Coríntios 12:7.

Paulo tinha uma vida pregressa nada agradável aos cristãos, ele era perseguidor da igreja e vire e mexe pessoas chegavam até ele para “jogar na cara” todo este passado condenável.

Este era o espinho na carne de Paulo, “acerca do qual três vezes orei ao Senhor para que se desviasse de mim.” Diz o apóstolo em 2 Coríntios 12:8.  Para surpresa de Paulo a resposta de Deus foi: “A minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza.” 2 Coríntios 12:9.

Diante disso começamos a compreender que os espinhos que temos na carne cooperam com o processo da Kenosis em nós. Lembre-se- se que Kenosis é esvaziamento de si mesmo e o homem é encontrado por Deus cheio do ego, como um balão inflamável.

Daí vem Deus e nos presenteia com uns espinhos na carne afim de nos esvaziar, nos tornamos em “bola murcha”, cooperando assim com o processo de quebrantamento e morte do nosso ego.

O espinho na carne de Paulo era para que ele não se “exaltasse pela excelência das revelações” 2 Coríntios 12:7, e ele finaliza: “de boa vontade, pois, me gloriarei nas minhas fraquezas, para que em mim habite o poder de Cristo. 2 Coríntios 12:9

Humilhe- se a si mesmo e se tiver que se gloriar gloriasse nas próprias fraquezas. Nosso ego é o maior inimigo que temos, então faça bom uso dos espinhos da carne e deixe que eles te esvaziem a fim de ficar livre e leve para ser guiado pelo Espírito de Deus, “pois todos os que são guiados pelo Espírito de Deus, esses são filhos de Deus. “Romanos 8:14
   
4)      Desprendimento

A morte do nosso ego gera em nós um desprendimento. Antes, estávamos completamente amarrados, enamorados com o nosso ego. Chegamos a Deus cansados e oprimidos por conta do nosso ego. Nos tornamos em uma “mala sem alça”, mas ainda bem que ELE nos alivia de nós mesmos e nos preenche com Seu Espirito.

“Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração; e encontrareis descanso para as vossas almas.” Mateus 11: 28 e 29

Deus deseja nos tirar de nós mesmos e nos atrelar em Cristo, para tal se faz necessário aprender com ELE que é Manso e Humilde.

Biblicamente falando mansidão tem a ver com desprendimento, é não ficar preso a nada. Já humildade, como falamos, é abrir mão do que é a fim de servir em amor. Em outras palavras, mansidão e humildade são as duas dinâmicas de atuação da kenosis em nós.

A mansidão gera desapego e faz com que tenhamos facilidade em doar, já a humildade gera dependência nos dando condição de receber. É uma condição sine qua non estarmos desapegados a tudo a fim de sermos vulneráveis aos ventos do Espírito Santo.

Existem dois tipos de ventos: o vento do Espírito e o vendo das adversidades. Os efeitos que tais ventos irão provocar em nós depende da condição em que se encontra o nosso ser. Não existe meio termo, ou nosso ser se encontra cheio de Deus ou cheio de nós mesmos.

O homem cheio de si, fica vulnerável aos ventos das adversidades, semelhante àquele que constrói sua casa na areia, ao passo que fica insensível aos ventos do Espírito. As oportunidades batem à porta, mas não aproveitamos pois estamos apegados ao que temos.

Já o homem que se esvazia de si e se enche de Deus, quando os ventos das adversidades sopram ele permanece como “o monte de Sião que não se abala e permanecem para sempre.” Salmos 125:2, ao passo que fica vulnerável ao sopro do vento do Espírito de Deus nos levando para onde Ele quiser, até porque “saco vazio não para em pé”.

O segredo é ficar vazio de si e cheio de Deus, afim de que os efeitos dos ventos em nós sejam sempre os melhores que cada um tem.

Que as adversidades nos lapidem, nos dando experiência e nos preparando para onde o vento do Espírito deseja nos levar.

5)      Aproximação

“... Mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens...”

Nos encontrávamos ilhados, presos em nossos “mundinhos”, mas agora a Kenosis nos dá um senso de pertencimento. Nossa visão deixa de ser míope e passa a estar conectada com o todo a nossa volta.

O Amor de Deus, que O levou ao esvaziamento, tornou possível a ligação entre dois pontos distantes e diferentes. Foi aberto um novo e vivo caminho! Nos salvou de nós mesmos, nos libertou dos tentáculos do nosso eu e nos lançou na direção de Deus e do próximo.

Não é à toa que a Cruz é composta de duas hastes; uma na vertical e outra na horizontal.

A haste vertical representa a ligação entre o homem e Deus. O que antes era completamente inalcançável a Cruz viabiliza o acesso. Já a haste horizontal diz respeito aos campos dos relacionamentos. Lá estava cada um vivendo em “seu quadrado”, mas vem a Cruz e derruba estes muros que nos separavam e nos aproxima novamente.

Cada ação tomada agora por nós, leva em consideração o outro. Eu diria que “a próxima ação” tem que ser para gerar “aproximação”. Nossas atitudes e ações devem nos levar para mais perto do próximo.

Por isso que Cristo nos ordena a amar ao nosso próximo e semelhante.  Ele não fala nada em amar o distante e o diferente, pois simplesmente estes não existem mais. Ele Aproxima o Distante e torna o Diferente em Semelhante.

O véu do preconceito e da indiferença foi totalmente rasgado! Se existe aproximação, não pode existir preconceito.

Já parou para pensar que o preconceito é uma vaidade, pois ele sempre está atrelado ao que o outro pensa.

Vaidade é o que " vai com a idade", aquilo que é passageiro. Não vale a pena se prender a ela. Nossa forma de pensar é uma vaidade, pois ela está em constante processo de transformação.

Se o pensamento é vaidade o sentimento não é.

Podemos pensar diferente uns dos outros (e isso é bom!), mas sentimos o mesmo que o outro sente, ainda que este pense diferente de nós. Portanto, quando deixarmos de focar no que o outro pensa e passarmos a focar no que ele sente, os preconceitos acabam, pois estes estão atrelados à vaidade do pensamento.

Temos que ter “o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus”, que O levou a se esvaziar, tomando a forma de servo e fazendo-se semelhante aos homens.

É o sentimento do amor que nos leva ao senso de pertencimento. Só assim a humanidade será curada de todo preconceito.

Somos todos humanos: plurais no pensamento, mas singulares no sentimento.

6)      Propósito

“... sendo obediente até à morte, e morte de cruz.”

Todos os efeitos da Kenosis em nós tem como objetivo devolver o homem ao propósito. A Cruz sempre foi o propósito de Cristo, tanto é que o inimigo fez de tudo para livrar Jesus dela. Cristo tinha uma agenda e tudo o que Ele fez enquanto homem foi mirando a Cruz.

Ele foi obediente ao propósito do Pai, nada tirou seu foco, pois não era amante de si mesmo, maior do que sua vida era o propósito para o qual Ele havia sido chamado.

Muito mais do que simplesmente sobreviver, Deus deseja que cada um de nós exista! Sobreviver é ser movido pelas necessidades, existir é ser movido pelo propósito.

“Nele vivemos, e nos movemos, e existimos...” Atos 17:38

Vivemos pois só existe vida por meio da morte do nosso ego.

Nos movemos, pois estamos desapegados a tudo, conduzidos pela liberdade do Seu Espírito.

Existimos, pois agora “... não mais vivo eu, mas Cristo vive em mim e a vida que agora vivo na carne, vivo-a pela fé do Filho de Deus, o qual me amou, e se entregou a si mesmo por mim.Gálatas 2:20

Que tenhamos um Natal de saco vazio. Vazio de nós, mas cheios do Amor de Deus!


Nenhum comentário: