quarta-feira, agosto 26

A Pomba e o Corvo



Por Bruno Jardim

Já haviam se fechado as comportas dos céus, a copiosa chuva se deteve, as águas iam- se escoando e a arca conseguiu repousar sobre as montanhas de Ararate. Noé não estava mais à deriva, agora ele podia observar as águas indo minguando até aparecer os cumes dos montes. Enfim, após quarenta dias sobre a terra, o dilúvio havia acabado.

Uma nova etapa era iniciada, agora era o momento de sair da arca, mas antes deste importante passo, Noé precisava certificar-se de que a terra estava em condição de recebe-lo, bem como sua família e os animais. 

Para tal, ele resolve soltar um corvo com a missão de sondar as condições da terra e lhe trazer um parecer, alguma evidência de que as águas teriam já minguado da superfície da terra.

E assim, “Ao cabo de quarenta dias, abriu Noé a janela que fizera na arca e soltou um corvo, o qual tendo saído, ia e voltava até que se secaram as águas de sobre a terra.” (Gênesis 8:6-7)  

Nóe não calculou bem os riscos de delegar para um corvo a nobre missão de trazer um parecer sobre as condições da terra. Simplesmente o corvo ia e voltava, não mais voltando para dentro da arca. Para o corvo, o ambiente externo se tornou mais atrativo do que os cuidados que Noé lhe prestará durante sua estadia de quarenta dias na arca. Será que o corvo estava estressado? Será que ele era claustrofóbico? Nada disso!

O corvo é uma ave praticante de uma atividade chamada: necrófaga – em biologia chamam-se de necrófagos aos animais que se alimentam de restos orgânicos, cadáveres de outros animais, de pequenos mamíferos, insetos, caracóislagartosrãsvermes e outros invertebrados. Os praticantes desta atividade procuram o alimento no chão, sendo quase sempre as primeiras aves a chegar junto dos cadáveres.

Agora que conhecemos um pouco sobre a natureza do nosso corvo, fica fácil de entender o motivo pelo qual ele não quis mais voltar para dentro da arca. A terra havia se tornado um banquete para a sua natureza. Você pode imaginar a quantidade de corpos humanos boiando sobre as águas? E os animais que não entraram na arca, com exceção dos animais marinhos, todos foram dizimados. Era tudo que o corvo queria! Pra que voltar para arca, o lado de fora estava muito mais prazeroso e apetitoso.

É importante frisar que a atividade necrófaga, praticada pelo corvo, coopera para a reciclagem. É graças a ela que os restos orgânicos são retornados à cadeia alimentar para serem reaproveitados pelos demais organismos vivos. Talvez, Noé não sabia disso, e falhou na delegação, soltando o corvo para a missão errada.

Para o corvo a paixão carnal era mais forte do que a missão que lhe fora dada.

O fato é que não podemos julgar o corvo, pelo simples fato de todos nós sermos corvos por natureza. Nossa natureza carnal também é saciada e atraída pela morte, e neste caso me refiro ao pecado. E a coisa fica pior quando percebemos que estamos inseridos em um “mundo que jaz no maligno.” (1 João 5:19)

O mesmo cenário que o corvo encontrou ao ser solto da arca é o mesmo que encontramos quando saímos em direção ao mundo. Só que ao invés de corpos humanos e de animais, encontramos os restos mortais de estruturais pecaminosas de: ódio, injustiça, indiferença, egoísmo e maldade. É este sistema podre e imundo que jaz no maligno, mas por incrível que pareça somos atraídos por tudo isso. Quantos ao sair em missão mundo a fora, são agarrados pelos tentáculos do pecado, sendo entregues às suas próprias concupiscências.

Ciente de quem somos e do cenário em que estamos inseridos, Cristo Jesus, em sua oração sacerdotal, faz um pedido ao Pai, Ele diz: “Não peço que os tires do mundo, mas que os livres do mal”. (João 17:19)

E agora? É da vontade de Cristo que estejamos inseridos no mundo? Este mesmo mundo que jaz no maligno? Mesmo Ele sabendo que somos pecadores e que este mundo é um banquete para nossa carne? Aham... exatamente!

Só que agora, em Cristo não somos mais lançados ao mundo na condição de corvo, mas sim de pomba. E aqui, tudo muda de sentido.

Voltando para arca, após o corvo ter falhado com sua missão, “Noé soltou uma pomba para ver se as águas teriam já minguado da superfície da terra, mas a pomba não achando onde pousar o pé, tornou a ele para a arca...” (versos 8 e 9)

Repare que o cenário encontrado pela pomba, era o mesmo que havia sido encontrado pelo corvo, mas para ela, nada daquilo exercia poder de atração, pois era contrário à sua natureza.

A pomba tem um senso de direção preciso e altamente desenvolvido o que lhe confere senso de missão. Ela sabe para onde ir e para onde voltar sem distrações. Ela sabe chegar ao seu local de destino sem erro de percurso. Não é à toa que muitas destas aves eram usadas em guerras como pombo correio, levando mensagens estratégicas aos soldados no campo de batalha. Muitas vitórias foram conquistadas graças a ação dos pombos correios.

Diante destas característica, podemos afirmar que o Corvo é guiado pelas necessidades, já a pomba por Propósitos.

Ser guiado pelas necessidades é dá prioridade em satisfazer seus próprios desejos no lugar da vontade de Deus. É trocar uma eternidade, por um minuto de prazer, é ter dificuldade de confiar no Senhor, ciente de que o mais Ele fará.  

Repare no que Paulo fala: “Aquele que nem mesmo a seu próprio Filho poupou, antes o entregou por todos nós, como não nos dará também com ele todas as coisas”? (Romanos 8:32)

Na provisão feita na Cruz por Cristo Jesus, está incluído tudo aquilo de que nós necessitaremos ao longo de nossa jornada. Quem disse que Deus não se importa com aquilo que vamos comer, vestir, onde vamos morar, trabalhar. Ele se envolve com os mínimos detalhes de nossa vida. Ora, se Ele foi capaz de nos dá o Seu único Filho, não nos daria com Ele todas as coisas?   

Podemos tomar como exemplo o êxodo de Israel. Onde Deus tira o povo do Egito, prometendo conduzi-lo pelo deserto até a terra prometida. Foram 40 anos de viagem, e durante todo este tempo Deus o sustentou fazendo chover maná do céu para alimenta-lo, enviou codornizes (aves para alimenta-lo) e fez verte água da rocha para saciar a sua sede. Aqui fica claro que Deus se preocupa e se ocupa em suprir todas as nossas necessidades para que então possamos focar nos propósitos.

Devemos “buscar em primeiro o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas”. (Mateus 6:33)

Se lermos os versos anteriores a esta passagem, notaremos que Jesus está falando da ansiedade referente ao que vamos vestir e comer. Ele diz que o mesmo Deus que cuida dos pássaros e dos lírios dos campos é o Deus que cuida de nós. Portanto, nos cabe tão somente priorizar o Reino de Deus e a Sua Justiça (Propósito). Não precisamos priorizar as demais coisas (necessidades). Enquanto nos ocupamos com as coisas de Deus, Deus se preocupa com as nossas coisas e nos garante toda a provisão que precisamos.

O problema é que fazemos dos meios um fim. Como fazemos isto? Toda vez que nós buscamos as outras coisas esperando que Deus nos acrescente o Seu Reino. Isso é colocar a carroça na frente dos bois! É colocar as necessidades na frente dos propósitos!

A necessidade nos faz viver somente o aqui e o agora, já os propósitos nos faz mirar no futuro.

O corvo também representa nossa natureza carnal, já a pomba é uma alusão clara da natureza divina em nós. Portanto, para cumprirmos com nossa missão no mundo, precisamos ser “simples como a pomba.” (Mateus 10:16)

A pomba não inventa, com ela “missão dada é missão cumprida”, não fica de rodeio, indo e voltando, ela é portadora de uma mensagem subversiva capaz de transforma e restaurar todo o mundo.

Deus confiou para sua Igreja, a missão de anunciar ao mundo as boas novas do evangelho e como um pombo correio, Ele envia cada um de seus agentes ao mundo para que ali (em meio ao cenário de morte), possa ser encontrado alguma evidência de restauração.

Infelizmente o mundo está entregue aos corvos, e assim somente o seu lado podre que jaz no maligno tem sido evidenciado.

Será por meio da “igreja pomba” que será possível encontrar uma evidência de esperança, assim como a pombinha de Noé fizera, lembram –se?

“Esperou ainda outros sete dias e de novo soltou a pomba fora da arca. A tarde, ela voltou a ele; trazia no bico uma folha de oliveira, assim entendeu Noé que as águas tinham minguado de sobre a terra”. (versos 10 e 11)

Enquanto Cristo pede ao Pai para não tirar sua igreja do mundo, a igreja faz a oração contrária, e pede ao Pai para ser retirada do mundo.

Onde já se viu, a portadora da boa nova de restauração, aquela que traz em seu “bico”, não restos mortais de um mundo do passado morto, mas brotos de vida de um futuro mundo resplandecente, desejar ser retirada do mundo? Por isso que os corvos estão fazendo a festa! E cada vez mais o mundo se torna um lugar fétido.  

Veja o recado de Paulo:

“Vós sois a nossa carta, escrita em nossos corações, conhecida e lida por todos os homens. Porque já é manifesto que vós sois a carta de Cristo, ministrada por nós, e escrita, não com tinta, mas com o Espírito do Deus vivo, não em tábuas de pedra, mas nas tábuas de carne do coração. E é por Cristo que temos tal confiança em Deus; Não que sejamos capazes, por nós, de pensar alguma coisa, como de nós mesmos; mas a nossa capacidade vem de Deus.” (2 Coríntios 3:2-5)

O mundo se pergunta: por onde anda a “igreja pomba”? Por qual motivo ela não sai de seu ninho?

Cabe a igreja encontrar uma evidência de esperança (folha de oliveira) neste mundo e em todos os seus segmentos: ciência, cultura, arte, música, economia, esporte, universidades e etc.  

Luz é para ser luz no mundo! Não é na arca e nem no céu!

A pomba é o verdadeiro sal da terra! O sal além de conservar, serve para realçar o sabor dos alimentos. Veja, ele não dá sabor, mas apenas torna patente o que antes era latente.

Da mesma forma, cabe a igreja realçar o que o mundo tem de melhor. Sair em busca das folhas de oliveira perdidas por ai fora.

Ao escolher Isaias e colocar sobre ele o Seu Espírito, o Senhor revela que a consequência disso na vida do profeta seria que ele: “Não esmagara a cana quebrada, nem apagará o pavio que fumega.” (Isaias 42:3)

O que existe em comum entre uma folha de oliveira, uma cana quebrada e um pavio que fumega? Todos são frágeis e sensíveis, logo, precisam ser tratados com carinho e amor.

Infelizmente a igreja dos dias de hoje está esmagando a cana quebrada e apagando o pavio que fumega. Ela tem sido a estraga festa, quando na verdade deveria ser o motivo da festa.  

Que sejamos simples como as pombas, abandonemos nosso velho “homem corvo” e sigamos em frente com a nossa missão de evidenciar a esperança para um mundo que já jaz no maligno.

Já parou para “observar os lírios dos campos...” (Mateus 6:28)? Notem que eles nascem e resplandecem no meio de um terreno pantanoso e feio.

O terreno pantanoso e feio é o mundo que jaz no maligno, os lírios dos campos é a Glória de Deus que está destinada a resplandecer nesta terra.

Em Cristo e por Cristo, é possível extrair vida da morte.



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